+ Direito da Informática
Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
quarta-feira, agosto 30, 2006
"Simplex acabou com acesso à história das empresas"
"Conhecer os antecedentes históricos de uma qualquer empresa ou mesmo os dados novos de uma empresa já existente era, até ao princípio deste ano, uma coisa simples e útil para muita gente. A partir de Janeiro deste ano deixou de o ser. Por causa do Simplex.
Durante muitos anos, a localização dos numerosos dados que as empresas eram obrigadas a fazer publicar na III Série do Diário da República implicava folhear milhares de páginas. Advogados, solicitadores, credores, jornalistas e todos os que precisassem de saber quem eram ou tinham sido os sócios ou gerentes de uma determinada empresa, qual era o seu objecto social e situação financeira, onde é que estava sediada, entre muitas outras coisas, não tinham outra solução. A menos que soubessem em qual das centenas de conservatórias de registo comercial existentes no país é que a sociedade em questão estava registada e lá fossem requerer as certidões respectivas.
A certa altura, a busca dessas informações foi facilitada para aqueles que se podiam deslocar à biblioteca da Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM), na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. Mediante pagamento, passou a ser possível obter, a partir de um ficheiro manual ali existente, as referências necessárias à localização de cada registo efectuado desde 1943. Na posse dessas referências pagava-se a fotocópia respectiva e levava-se a informação.
Já na era da informática, o serviço de buscas da biblioteca da INCM, único no país, passou a aceder directamente a uma base de dados automática, sem ter de procurar no ficheiro manual das empresas. Nos últimos anos, a Internet veio permitir que a INCM passasse a comercializar o acesso a essa base de dados, embora ainda só estivessem disponíveis os registos posteriores a 1990.
Quem subscrevesse o serviço e pagasse a assinatura correspondente ficava com a possibilidade de saber, de um momento para o outro, no seu próprio computador, tudo aquilo que as empresas são obrigadas a tornar público sobre si próprias. Com o senão de se tratar de um serviço pago e restrito a quem tinha acesso à internet, a simplicidade e a eficácia do serviço estavam garantidas e testadas.
A burocracia regressou
No início deste ano, dando corpo à medida número 329 do Simplex - o Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa que foi apresentado pelo Governo como 'um conjunto de iniciativas que visam a facilitação da vida dos cidadãos e empresas' -, a complicação e a burocracia regressaram ao dia-a-dia de quem precisa de aceder àquelas informações.
A III Série do Diário da República foi extinta no quadro da medida 329, que pretende, mais genericamente, facultar o acesso gratuito e 'facilitar a consulta' da edição electrónica do Diário da República. A publicação de novos registos relativos às empresas existentes ou a empresas a criar, sejam eles referentes à sua constituição, alteração de capital ou mudança de gerência, deixou, assim, de ser feita na III Série, passando a fazer-se no sítio da Internet do Ministério da Justiça (www.mj.gov.pt/publicacoes).
Na sequência desta medida, que decorre também da legislação relativa ao regime especial de constituição imediata de sociedades (empresa na hora), a INCM considerou que não se justificava continuar a comercializar a sua base de dados histórica, sem poder oferecer aos seus clientes a sua actualização quotidiana, sugerindo ao Ministério da Justiça que integrasse a base de dados na sua página na Internet.
Por isso mesmo a INCM deixou de proceder à renovação das assinaturas dos seus clientes em Novembro do ano passado, recusando, desde então, a celebração de novos contratos.
Resultado: hoje em dia, graças ao Simplex, ainda que indirectamente, os cidadãos voltaram a ter as dificuldades que tinham há dezenas de anos e a história das empresas voltou a ser um mistério.
Governo e INCM contradizem-se
'A base de dados histórica foi posta à disposição do Ministério da Justiça [MJ] pela INCM, mas não houve resposta', disse ao PÚBLICO Ricardo Barreiros, responsável pelo Diário da República Electrónico, adiantando que a INCM, empresa de capitais públicos, decidiu pôr fim à comercialização da base de dados quando o Governo acabou com a obrigação de publicar os actos novos no Diário da República (DR). Dado que o sítio na Internet do MJ passou a conter esses actos, a INCM entendeu que era aí que se justificava disponibilizar o histórico. Esta versão dos factos é contestada pelo Executivo. 'O Ministério da Justiça nunca recebeu da INCM qualquer proposta relativa à cedência ou utilização da base de dados da III Série do DR, na qual eram publicados os actos societários das sociedades comerciais', lê-se em nota escrita enviada ao PÚBLICO, que acrescenta: 'A INCM é detentora da base de dados do histórico do DR, pelo que cabe à INCM esclarecer por que razão não disponibiliza esses dados.' A administração da INCM contraria a posição do Governo, informando, também por escrito, que a base de dados 'é uma matéria que está em apreciação entre a INCM e o Ministério da Justiça'." (José António Cerejo - Público, 30/08/2006)
segunda-feira, agosto 14, 2006
Advogado não deve comprar certificado digital de particulares
Brasília, 10/08/2006 - O advogado não deve comprar certificado digital de empresas particulares, pois, além de prática ilegal, esse instrumento não dará acesso a todos os serviços que, em breve, estarão disponíveis tanto pelos tribunais brasileiros quanto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O alerta foi feito hoje (10) pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato. A entidade acaba de deflagrar uma ampla campanha de conscientização por meio do site e das Seccionais nos Estados, para informar que os certificados que estão à venda no mercado são um “verdadeiro engodo”, empurrado por empresas particulares aos profissionais da advocacia. O lema da campanha é “Advogado, não compre certificado digital de empresas particulares”.
O presidente da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB, Alexandre Atheniense, explica que essa prática começou quando sete tribunais trabalhistas passaram a aceitar o envio eletrônico de documentos referentes a processos, mediante uso de certificados digitais comercializados por nove empresas particulares, reunidas num sistema denominado e-Doc. Para esse serviço, foi criado um “oligopólio” de empresas, que está lucrando com a venda - por cerca de R$ 350,00 a unidade - de certificados digitais a advogados. “Há nesse sistema do e-Doc uma infração legal, pois esses tribunais estão favorecendo que empresas particulares façam a identificação da prática processual por parte dos advogados, quando isso é prerrogativa exclusiva da OAB, por meio de suas Seccionais nos Estados”, explica o presidente da Comissão da Informação da entidade. Essa prerrogativa relacionada à identificação profissional está expressa na Lei federal nº 8906/94 - o Estatuto da Advocacia e da OAB. Alexandre Atheniense lembra, ainda, que a OAB lançará em aproximadamente 60 dias a nova carteira de identificação de advogados, que já virá com um chip contendo certificado digital acoplado. Além de contar com uma identificação profissional extremamente segura, o profissional terá acesso a um vasto leque de serviços junto à entidade e a todos os tribunais brasileiros, por um preço muito aquém do que está sendo cobrado hoje por empresas particulares. “Não adianta o advogado comprar agora esses certificados particulares porque a nova carteira de identificação já vai trazer esse certificado, com vantagens muito superiores em termos de tecnologia e acesso de serviços”, alertou Atheniense.
O certificado eletrônico da OAB vai permitir o acesso a benefícios oferecidos por muito mais do que sete tribunais, pois será um instrumento compatível com os sistemas de todas as Cortes do país. O certificado será compatível, também, com uma série de serviços institucionais que serão oferecidos por meio dos sites das Seccionais da OAB, possibilitando ao advogado, por exemplo, receber atendimento online em áreas que, hoje, só tem acesso mediante a ida até à secretaria ou à tesouraria da Seccional. “O que o advogado está pagando hoje por esses certificados de empresas particulares é muito mais do que pagará para ter o da OAB, sendo que, de posse do primeiro, o advogado não poderá usufruir dos benefícios não restritos a esses poucos tribunais trabalhistas que aderiram a essa modalidade”, finalizou Alexandre Atheniense.
sábado, agosto 12, 2006
"A 'lista bárbara' é contra os Direitos Humanos"
"O Governo publicou com a designação oficial de Lista dos Devedores o que considera serem as dívidas dos contribuintes ao Fisco. No sítio do Fisco foi criado acesso a essa lista, em qualquer ponto do mundo. As dívidas do Estado serão difundidas? Sim. Através de medidas equivalentes? Não. Surgirão num acto solene e indecifrável pelo cidadão comum: a Conta do Estado. E no âmbito de uma acção de 'identificação dos principais credores do Estado e caracterização das dívidas respectivas'. A 'nuance' entre o cidadão-devedor e o Estado-que-tem-credores é importante. Exibe a mentalidade subjacente. Insisto: o combate à fraude fiscal deve ser firme. Mas assente em tratamento equitativo. A opção do Governo não éssa. Na linha de erros que se julgavam ultrapassados (tais como a inversão do ónus da prova), regressa-se ao excesso. Realço que a Lista pune com estigma social quem está a pagar a prestações. Também pune antes da sentença transitada em julgado. A qual pode considerar que o contribuinte não é devedor. No que é violador da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E representa um recuo civilizacional, num país que em outras épocas soube ser precursor dos Direitos do Homem. Relembro que o pagamento de impostos, mesmo que em fase de execução fiscal é pagamento. E nessa fase o interesse público é tutelado por sanções, que incluem juros e outras medidas. Outro aspecto negativo é que, a prazo, a lista gera o inverso do que pretende. O êxito da luta contra o incumprimento dos deveres fiscais, no essencial, depende da entrada dos contribuintes no sistema. Será difícil perceber que a quem não declara, não se coloca o problema de estar na lista? E que é um convite à economia paralela? Acresce que o interesse público de realizar receita tem de ceder perante a tutela da inclusão social. Um exemplo. Ao crime de branqueamento interessa pagar impostos. Sobre a pressão da lista, um faltoso torna-se uma presa mais fácil do crime organizado. Por isso defendo que é preferível ter dívidas fiscais conhecidas, mas não divulgadas. E pagas, em fases, do que branqueadores ou corruptos com impostos imaculados. Um outro aspecto negativo é o impacto no empreendorismo. A lista pressupõe que subjacente ao não-pagamento está um mau motivo. No que desmotiva a iniciativa empresarial e a assunção de maiores responsabilidades pelos cidadãos. As contingências integram o risco dos negócios (ex. incêndio, gripe das aves, comércio raiano e IVA). Falindo, existe agora mais um mimo: a lista! Acresce que, no plano internacional, se sinaliza a falta de prioridade dada à resolução do problema da falta de competitividade fiscal, bem evidente na OPA à PT, que é lançada pela Sonae a partir da Holanda. No que contrasta com o Governo de Zapatero, cujas recentes propostas visam o reforço da competitividade fiscal, para bem do emprego e poder de compra dos espanhóis. E perante tudo isto? PCP e BE aplaudem. PSD anui a medidas de excepção. CDS tem a ideia de propor algo em Setembro, e a CIP espera os resultados para saber se a lista é boa. Concluo: os impostos são para pagar. O castigo aos flatosos deve ser exemplar. Nele primando a nação civilizada. Na lista tal não acontece. É bárbara. E exige revogação. Cada dia da sua vigência, agride a tradição humanista de Portugal, desincentiva a iniciativa empresarial, estimula a economia paralela. E explica porque é que nas novas fronteiras criadas por Sócrates cresce um Portugal mais pobre e desigual." (Nuno de Sampayo Ribeiro - Expresso, 12/08/2006)
domingo, agosto 06, 2006
"Metade de centros de saúde com prescrição informática"
"Escrever nas receitas com 'letra bem legível' é dever deontológico dos médicos portugueses, mas chegam às farmácias algumas quase indecifráveis. Às vezes é mesmo preciso contactar o clínico para perceber o que lá está escrito. As pessoas são aconselhadas a apontar o nome dos medicamentos ainda durante a consulta.
Mais de metade dos centros de saúde portugueses têm instalado o programa Sistema de Apoio ao Médico (SAM), que permite contornar o problema da caligrafia ilegível através da impressão de receitas preenchidas por computador. São 184 centros de saúde num universo de 357, informa o Instituto de Gestão Financeira e Informática da Saúde (IGIF), que foi quem desenvolveu o programa. O SAM está instalado em 60 hospitais (de um total de 83). Através desta aplicação o médico escolhe um fármaco de uma lista - evitando a consulta de um prontuário terapêutico - onde constam a dosagem e o preço. A escolha é feita no computador. Não é preciso escrever à mão o nome do remédio, preencher os dados dos doentes ou pôr vinhetas - basta depois imprimir a receita, que sai já com os dados. O programa permite o mesmo sistema para as baixas, requisição de transportes e de terapia domiciliária. Mas há quem não poupe críticas à aplicação informática. Para o bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, o programa que foi desenvolvido por técnicos do IGIF é sobretudo uma ferramenta administrativa de controlo da despesa com fármacos, mais do que um auxiliar da prática clínica. Ficou-se aquém das possibilidades, diz. O objectivo é que até ao final do ano todos os centros de saúde tenham o programa. C.G.
No consultório ouve as indicações do médico mas não memoriza o nome do medicamento que lhe está a ser prescrito. Na receita descodifica apenas as três primeiras três letras do fármaco - Ana... e há um risco que prolonga a palavra. Espera que o farmacêutico decifre o resto. Não é boa ideia. Há pelo menos 11 remédios que começam com esta sílaba e incluem um analgésico, um anti-inflamatório e um antidepressivo.
Quem é que nunca saiu de uma consulta a olhar para a receita sem fazer ideia do que lá está escrito? Várias farmácias de Lisboa contactadas pelo PÚBLICO constatam: a dificuldade em decifrar a letra dos clínicos faz perder tempo e pode gerar erros de medicação. Na Ordem dos Farmacêuticos já houve queixas por administração errada devido a problemas de caligrafia. Concluiu-se não haver motivo para condenação.
Escrever numa receita médica com 'letra bem legível' consta do Código Deontológico dos médicos portugueses, mas até agora ninguém foi punido por incumprimento. Houve duas queixas informais de farmacêuticos para a Ordem dos Médicos (OM) e 'os colegas foram chamados à atenção', diz o bastonário, Pedro Nunes.
Nos EUA os danos provocados por erros de medicação - em que os problemas de caligrafia são uma das causas - estão quantificados: por ano morrem sete mil pessoas por administração ou doses erradas de medicamentos.
Os idosos (porque tomam muita medicação ao mesmo tempo) e as crianças (porque a dosagem exige cálculos baseados no peso) são as principais vítimas, constata a Food and Drug Administration (FDA), o órgão americano que regula o sector do medicamento.
No dia-a-dia são muitas as receitas quase indecifráveis que desencadeiam nas farmácias quase um jogo de adivinhas. E são diversas as estratégias para lidar com o problema. Na Farmácia Mundial, por exemplo, a farmacêutica Rita Monteiro da Silva opta por dividir a palavra em três pedaços para ver que fármacos existem no computador com aquela grafia. Depois a receita passa por todos os funcionários e só se houver consenso é que é aviada. Marina Jerónimo, farmacêutica na Castro Fonseca, diz que faz exactamente a mesma coisa.
A opção seguinte é pedir ajuda ao doente. Para que é o fármaco? Já o toma? Sabe de que cor é a caixa e que tamanho tem? Em desespero de causa, liga-se ao médico para perguntar se ainda se lembra do remédio que receitou àquela pessoa ou então para pedir que consulte a ficha do doente, conta Marina Jerónimo.
'Meia-dúzia de queixas'
O problema é quando não se consegue chegar ao médico. A necessidade de contactos rápidos nesta situação é 'uma preocupação' que já foi discutida entre a Ordem dos Farmacêuticos e a Associação de Médicos de Clínica Geral, que quiseram criar uma rede de contactos que nunca chegou a ir por diante, conta o bastonário dos farmacêuticos, Aranda da Silva.
Sempre que há dificuldades a OM dá o contacto do clínico com a caligrafia difícil, ressalva o bastonário dos médicos. Quando o telefonema é inviável o doente tem mesmo de voltar ao consultório. 'É um dever deontológico não aviar o remédio quando existem dúvidas', esclarece Manuela Pinto Basto, directora técnica da farmácia Lobel.
A solução passa, segundo os profissionais contactados, pela receita electrónica, mas até ver tem sido residual o número de receitas preenchidas informaticamente chegadas a estas farmácias.
Os problemas mais frequentes têm a ver com a dosagem, por os números não serem perceptíveis ou por nem virem mencionados. Em ambas as situações - e caso não se consiga contactar o médico - o farmacêutico é obrigado a vender a dosagem mais baixa ou a embalagem mais pequena. 'É a forma de nos defendermos", mas pode ter como consequência "a ineficácia do tratamento', explica o bastonário dos farmacêuticos.
Se já houve erros? 'Não há nenhuma farmácia que lhe diga que não que esteja a falar a verdade', sublinha a directora técnica da Farmácia do Monte, Aline Aguiar. Já houve 'meia-dúzia de queixas' na Ordem contra farmacêuticos por medicação errada, informa o bastonário. Os erros maiores são na dosagem e um dos episódios levou mesmo ao internamento de uma criança que levou uma dose demasiado alta de remédio. Mas não houve condenações de farmacêuticos porque se concluiu que não havia culpa, por ilegibilidade da receita e porque se tinha tentado contactar o médico, explica.
Segundo a FDA, para prevenir complicações o utente deve sempre apontar, durante a consulta, o nome do medicamento que está ser prescrito e as indicações da sua toma" (Catarina Gomes - Público, 06/08/2006)
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