Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"O Governo publicou com a designação oficial de Lista dos Devedores o que considera serem as dívidas dos contribuintes ao Fisco. No sítio do Fisco foi criado acesso a essa lista, em qualquer ponto do mundo. As dívidas do Estado serão difundidas? Sim. Através de medidas equivalentes? Não. Surgirão num acto solene e indecifrável pelo cidadão comum: a Conta do Estado. E no âmbito de uma acção de 'identificação dos principais credores do Estado e caracterização das dívidas respectivas'. A 'nuance' entre o cidadão-devedor e o Estado-que-tem-credores é importante. Exibe a mentalidade subjacente. Insisto: o combate à fraude fiscal deve ser firme. Mas assente em tratamento equitativo. A opção do Governo não éssa. Na linha de erros que se julgavam ultrapassados (tais como a inversão do ónus da prova), regressa-se ao excesso. Realço que a Lista pune com estigma social quem está a pagar a prestações. Também pune antes da sentença transitada em julgado. A qual pode considerar que o contribuinte não é devedor. No que é violador da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. E representa um recuo civilizacional, num país que em outras épocas soube ser precursor dos Direitos do Homem. Relembro que o pagamento de impostos, mesmo que em fase de execução fiscal é pagamento. E nessa fase o interesse público é tutelado por sanções, que incluem juros e outras medidas. Outro aspecto negativo é que, a prazo, a lista gera o inverso do que pretende. O êxito da luta contra o incumprimento dos deveres fiscais, no essencial, depende da entrada dos contribuintes no sistema. Será difícil perceber que a quem não declara, não se coloca o problema de estar na lista? E que é um convite à economia paralela? Acresce que o interesse público de realizar receita tem de ceder perante a tutela da inclusão social. Um exemplo. Ao crime de branqueamento interessa pagar impostos. Sobre a pressão da lista, um faltoso torna-se uma presa mais fácil do crime organizado. Por isso defendo que é preferível ter dívidas fiscais conhecidas, mas não divulgadas. E pagas, em fases, do que branqueadores ou corruptos com impostos imaculados. Um outro aspecto negativo é o impacto no empreendorismo. A lista pressupõe que subjacente ao não-pagamento está um mau motivo. No que desmotiva a iniciativa empresarial e a assunção de maiores responsabilidades pelos cidadãos. As contingências integram o risco dos negócios (ex. incêndio, gripe das aves, comércio raiano e IVA). Falindo, existe agora mais um mimo: a lista! Acresce que, no plano internacional, se sinaliza a falta de prioridade dada à resolução do problema da falta de competitividade fiscal, bem evidente na OPA à PT, que é lançada pela Sonae a partir da Holanda. No que contrasta com o Governo de Zapatero, cujas recentes propostas visam o reforço da competitividade fiscal, para bem do emprego e poder de compra dos espanhóis. E perante tudo isto? PCP e BE aplaudem. PSD anui a medidas de excepção. CDS tem a ideia de propor algo em Setembro, e a CIP espera os resultados para saber se a lista é boa. Concluo: os impostos são para pagar. O castigo aos flatosos deve ser exemplar. Nele primando a nação civilizada. Na lista tal não acontece. É bárbara. E exige revogação. Cada dia da sua vigência, agride a tradição humanista de Portugal, desincentiva a iniciativa empresarial, estimula a economia paralela. E explica porque é que nas novas fronteiras criadas por Sócrates cresce um Portugal mais pobre e desigual." (Nuno de Sampayo Ribeiro - Expresso, 12/08/2006)