Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"Conhecer os antecedentes históricos de uma qualquer empresa ou mesmo os dados novos de uma empresa já existente era, até ao princípio deste ano, uma coisa simples e útil para muita gente. A partir de Janeiro deste ano deixou de o ser. Por causa do Simplex.
Durante muitos anos, a localização dos numerosos dados que as empresas eram obrigadas a fazer publicar na III Série do Diário da República implicava folhear milhares de páginas. Advogados, solicitadores, credores, jornalistas e todos os que precisassem de saber quem eram ou tinham sido os sócios ou gerentes de uma determinada empresa, qual era o seu objecto social e situação financeira, onde é que estava sediada, entre muitas outras coisas, não tinham outra solução. A menos que soubessem em qual das centenas de conservatórias de registo comercial existentes no país é que a sociedade em questão estava registada e lá fossem requerer as certidões respectivas.
A certa altura, a busca dessas informações foi facilitada para aqueles que se podiam deslocar à biblioteca da Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM), na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. Mediante pagamento, passou a ser possível obter, a partir de um ficheiro manual ali existente, as referências necessárias à localização de cada registo efectuado desde 1943. Na posse dessas referências pagava-se a fotocópia respectiva e levava-se a informação.
Já na era da informática, o serviço de buscas da biblioteca da INCM, único no país, passou a aceder directamente a uma base de dados automática, sem ter de procurar no ficheiro manual das empresas. Nos últimos anos, a Internet veio permitir que a INCM passasse a comercializar o acesso a essa base de dados, embora ainda só estivessem disponíveis os registos posteriores a 1990.
Quem subscrevesse o serviço e pagasse a assinatura correspondente ficava com a possibilidade de saber, de um momento para o outro, no seu próprio computador, tudo aquilo que as empresas são obrigadas a tornar público sobre si próprias. Com o senão de se tratar de um serviço pago e restrito a quem tinha acesso à internet, a simplicidade e a eficácia do serviço estavam garantidas e testadas.
A burocracia regressou
No início deste ano, dando corpo à medida número 329 do Simplex - o Programa de Simplificação Administrativa e Legislativa que foi apresentado pelo Governo como 'um conjunto de iniciativas que visam a facilitação da vida dos cidadãos e empresas' -, a complicação e a burocracia regressaram ao dia-a-dia de quem precisa de aceder àquelas informações.
A III Série do Diário da República foi extinta no quadro da medida 329, que pretende, mais genericamente, facultar o acesso gratuito e 'facilitar a consulta' da edição electrónica do Diário da República. A publicação de novos registos relativos às empresas existentes ou a empresas a criar, sejam eles referentes à sua constituição, alteração de capital ou mudança de gerência, deixou, assim, de ser feita na III Série, passando a fazer-se no sítio da Internet do Ministério da Justiça (www.mj.gov.pt/publicacoes).
Na sequência desta medida, que decorre também da legislação relativa ao regime especial de constituição imediata de sociedades (empresa na hora), a INCM considerou que não se justificava continuar a comercializar a sua base de dados histórica, sem poder oferecer aos seus clientes a sua actualização quotidiana, sugerindo ao Ministério da Justiça que integrasse a base de dados na sua página na Internet.
Por isso mesmo a INCM deixou de proceder à renovação das assinaturas dos seus clientes em Novembro do ano passado, recusando, desde então, a celebração de novos contratos.
Resultado: hoje em dia, graças ao Simplex, ainda que indirectamente, os cidadãos voltaram a ter as dificuldades que tinham há dezenas de anos e a história das empresas voltou a ser um mistério.
Governo e INCM contradizem-se
'A base de dados histórica foi posta à disposição do Ministério da Justiça [MJ] pela INCM, mas não houve resposta', disse ao PÚBLICO Ricardo Barreiros, responsável pelo Diário da República Electrónico, adiantando que a INCM, empresa de capitais públicos, decidiu pôr fim à comercialização da base de dados quando o Governo acabou com a obrigação de publicar os actos novos no Diário da República (DR). Dado que o sítio na Internet do MJ passou a conter esses actos, a INCM entendeu que era aí que se justificava disponibilizar o histórico. Esta versão dos factos é contestada pelo Executivo. 'O Ministério da Justiça nunca recebeu da INCM qualquer proposta relativa à cedência ou utilização da base de dados da III Série do DR, na qual eram publicados os actos societários das sociedades comerciais', lê-se em nota escrita enviada ao PÚBLICO, que acrescenta: 'A INCM é detentora da base de dados do histórico do DR, pelo que cabe à INCM esclarecer por que razão não disponibiliza esses dados.' A administração da INCM contraria a posição do Governo, informando, também por escrito, que a base de dados 'é uma matéria que está em apreciação entre a INCM e o Ministério da Justiça'." (José António Cerejo - Público, 30/08/2006)