+ Direito da Informática

Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS

segunda-feira, abril 18, 2005

 

"Combater a cobardia electrónica"

"Quem é que é responsável e pode ser incriminado pelos conteúdos disponibilizados nos blogues? Hugo Lança Silva, docente na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Beja, ensaiou recentemente uma resposta a esta questão. Num texto intitulado 'O Direito no mundo dos blogues: Aproximação à problemática numa perspectiva da responsabilidade civil pelos conteúdos' - publicado pela Verbo Jurídico (http://www.verbojuridico.net/) -, começa por explicar a dificuldade em caracterizar o que é um blogue, uma 'realidade recente em constante mutação, arisca e de contornos indefinidos'.
Os conteúdos destes diários em formato electrónico, alojados em servidores dos fornecedores de acesso à Internet - os chamados 'Internet service providers' (ISP) -, propiciam 'uma teia de interligações' e funcionam 'num espírito comunitário, um clube privado, ainda que acessível aos curiosos'.
Para este docente e numa 'perspectiva jurídica', existe um 'paralelismo' entre os blogues e as 'homepages' pessoais tendo em conta que são 'um primado do autor, responsável pela criação, manutenção e disponibilização de conteúdos'. Esta posição é realçada pela 'possibilidade de atribuir a autoria do [blogue ou sítio na Web] a uma pessoa determinada, que gere o sistema, devendo assumir a responsabilidade pelos conteúdos disponibilizados' (ver caixa "Entre a teoria possível e a prática").
Hugo Silva centra-se na responsabilidade civil dos blogues, salientando que ela poderá ser extrapolada para outros 'ambientes cibernáuticos', e lembra o 'analfabetismo informático' como 'propulsor de ilicitudes, facilitadas pelo diminuto grau de cuidado dos utilizadores da Internet, motivados por uma pretensa sensação de segurança, decorrente de 'navegarem' pelo mundo confortavelmente sentados nos sofás das suas casas'.
Aponta ainda o problema de a Internet estar sujeita a um 'carácter global' e 'perante relações plurilocalizadas', em que 'a existência de normas jurídicas de molde a evitar e contrariar conflitos é uma inevitabilidade'. Isso passa por adaptar as ilegalidades 'on-line' à jurisprudência e, no caso da responsabilidade civil (pois há também a criminal) e de uma potencial indemnização, ter em conta 'a verificação cumulativa de cinco requisitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao agente, o dano e, por fim, o nexo de causalidade entre o facto e o dano'.
Uma das principais questões é a 'noção de conteúdos ilícitos' - que podem ser 'mensagens difamatórias, injuriosas ou susceptíveis de atentar contra o direito à vida privada, as mensagem publicitárias contrárias às regras publicitárias ou às regras que asseguram a defesa do consumidor ou a leal concorrência entre empresas, a utilização indevida de sinais distintivos de produtos, estabelecimentos ou empresas, ou a utilização indevida de outros elementos protegidos pela propriedade intelectual'.
É ainda necessário existir uma actuação com 'dolo ou negligência', só sendo garantida pela lei a inimputabilidade aos menores de sete anos ou em casos do foro psíquico.
'Relativamente à colocação de conteúdos ilícitos na rede, as mais das vezes, o agente actua com culpa, não ignorando que os mesmos sendo ilícitos, violam direitos subjectivos' e podem provocar 'prejuízos como os desgostos morais, as dores físicas, o vexame, a perda de prestígio ou reputação, que, apesar de não integrarem o património do lesado, devem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao agente que cometeu o ilícito'.
Muitas vezes, a colocação deste tipo de conteúdos é feita de forma anónima, uma 'das mais imponentes marcas da Internet' e 'propulsor para o surgimento de condutas lesivas'. No entanto, o autor não defende a eliminação do anonimato na Web por existirem várias 'razões legítimas para o utilizador querer permanecer anónimo', sustentado no 'direito inalienável' de se 'consultar sítios eróticos, brincar em 'chats', ler revistas do coração, blogues de políticos, sítios humorísticos ou quaisquer conteúdos que nos aprouverem, com a total privacidade oferecida pelo anonimato'.
Esta defesa da privacidade não se alonga aos ISP, que devem ser responsabilizados pelas 'violações legais no âmbito do comércio electrónico, a colocação em sítios próprios de conteúdos ilícitos, a violação da privacidade do correio' ou de direitos de propriedade intelectual.
Já na responsabilidade sobre os conteúdos disponibilizados por terceiros e alojados em servidores entendidos como 'participantes forçados nas actuações ilícitas na rede - participantes porque fornecem os meios técnicos e as infra-estruturas que possibilitam a prática do ilícito; forçados porque, as mais das vezes, desconhecem que os conteúdos são ilícitos' -, o autor lança várias perguntas: 'Quem fornece um serviço de armazenagem de conteúdos a um blogue controla a informação existente no blogue? Tem como controlar? Seria lícito que controlasse?' E responde 'categoricamente que não'.
O docente apresenta ainda uma análise sobre a responsabilização dos ISP relativamente aos potenciais conteúdos ilícitos disponibilizados, assentes 'em dois factores: um pragmático e um económico'. Este no sentido da detenção de 'uma capacidade económica bastante superior à dos autores dos blogues (ou de outros sítios na Internet); pragmático porque a tentativa de perseguição civil (e criminal) tem como motivação directa as dificuldades de responsabilizar os autores dos conteúdos ilícitos, escondidos no anonimato'.
No entanto, lembra como a legislação actual já obriga os ISP a 'informar as autoridades competentes quando detectarem conteúdos ou actividades ilícitas', 'identificarem os destinatários com quem tenham acordos de armazenagem', 'cumprir, pontualmente, as decisões sobre a remoção ou impossibilitar o acesso a determinados sítios' e 'fornece[r] a lista dos titulares dos sítios que alberguem'.
Neste último caso, defende que exista 'a obrigação dos fornecedores de armazenagem construírem uma base de dados com a identidade dos proprietários dos blogues, procurando que a informação seja completa e verdadeira'.
Lembra ainda que se deverá evitar o paralelismo no controlo dos conteúdos pelos ISP e operadores telefónicos. É que 'a chamada telefónica é, por definição, privada, enquanto a disponibilização dos conteúdos na rede visa a sua cognoscibilidade pelos utilizadores'. Quando o ISP é informado de conteúdos ilícitos na sua rede, o autor interroga-se: deverá ele 'bloquear o acesso ou remover os conteúdos quando informado da sua ilicitude'? E a quem compete esta intimação? A qualquer pessoa? Aos lesados? Apenas às autoridades judiciais?
Uma fórmula demasiado permissiva pode 'gerar indesejáveis abusos'. 'Sustentar que uma mera denúncia de um eventual interessado é suficiente para a remoção do conteúdo, sem aquilatar da sua ilicitude, poderá promover perigosas práticas de censura'.
Hugo Silva lembra que as 'empresas serão responsabilizadas sempre que não cumpram as decisões judiciais ou administrativas que obriguem a impedir o acesso a determinados sítios na Internet'. Ilegítimo é o ISP retirar conteúdos sem essas decisões, apesar de alguma legislação o permitir - preceito que o autor considera 'ferido de inconstitucionalidade'.
Em paralelo, defende que, 'no que concerne ao autor do blogue e tendo como premissa que todos os pressupostos da responsabilidade civil se verificaram num determinado caso, não suscita dúvidas a possibilidade de ser civilmente responsável pelos conteúdos ilícitos colocados no blogue' e também por ter 'o poder de retirar os comentários realizados em determinado blogue'.
Quanto às hiperligações entre blogues ou outras páginas na Web, considera que 'o autor do blogue deverá ser responsabilizado pelas ligações de hipertexto que coloca no seu blogue'. É que, ao disponibilizar estas ligações, o seu autor potencializa a dimensão do dano 'por aumentar o número de pessoas com acesso ao conteúdo ilícito' mas, 'sobretudo, por dever equiparar-se a sua conduta à criação e disponibilização do conteúdo', dado que 'não apenas conhece o conteúdo ilícito como o utiliza em seu benefício'.
Em síntese, 'a irresponsabilidade desta conduta fomentaria um inaceitável incremento do 'boato informático'; permitiria aos autores dos blogues, refugiando-se em outros textos, utilizarem a blogosfera para criar e disseminar conteúdos ilícitos, protegidos pela remissão para outros, ficando imunes de uma qualquer responsabilidade, uma verdadeira cobardia electrónica'.
Apesar desta posição, Hugo Silva salienta 'o direito ao anonimato dos blogues como regra mas admitindo uma excepção: se o conteúdo do blogue é ilícito, através do recurso aos meios judiciais, deverá ser permitido ao lesado obter a identificação do autor da lesão, para efeitos de perseguição civil (ou criminal)'.
Nesse sentido, uma outra obra recente vem clarificar vários conceitos legais e explicitar problemas que são coincidentes com esta temática do direito e dos conteúdos disponibilizados em blogues. O 'Guia da Lei do Direito de Autor na Sociedade da Informação' (edição do Centro Atlântico), de Manuel Lopes Rocha, Henrique Carreiro, Ana Margarida Marques e André Lencastre Bernardo, pega na lei 50/2004 e comenta as suas virtudes e implicações, nomeadamente no caso da disseminação de ficheiros multimédia sujeitos a direito de autor - lei de cujo conhecimento os autores de blogues não estão isentos."

Pedro Fonseca
in jornal Público, suplemento Computadores, de 18 de Abril de 2005.

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A reprodução completa de um artigo não será uma violação ao direito de autor?
 
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