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"A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) já se pronunciou sobre a possibilidade de divulgação dos nomes dos contribuintes que devem ao fisco, manifestando preocupação com os casos que envolvam litígio e com a capacidade de actualização de tais listas. Essas preocupações foram transmitidas ao Governo no parecer feito pela CNPD a propósito da alteração legislativa feita no âmbito do Orçamento do Estado (OE) para 2006.
Essa alteração, feita num artigo da lei penal tributária, abriu a possibilidade da divulgação das listas de devedores. O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, anunciou, na quarta-feira, que as listas dos grandes devedores começarão a ser divulgadas em Julho. O Governo agora tem de fazer um decreto regulamentador ou simplesmente pedir uma autorização à CNPD. Como disse ao PÚBLICO o presidente da comissão, Luís Silveira, o parecer não é vinculativo e sim consultivo, mas tem de ser sempre pedido. Contudo, o ministro disse que a divulgação era feita 'no pressuposto de obtenção de parecer favorável' da CNPD, 'que irá ser solicitado em breve'.
Luís Silveira lembra a chamada de atenção já feita no primeiro parecer sobre a actualização das listas e os casos em litígio. 'Uma medida deste género [divulgação dos nomes dos devedores] terá de ser sempre proporcional', diz, questionando se não haverá 'outras formas menos gravosas de conseguir os mesmos resultados, que é que as pessoas paguem os seus impostos'. Por isso alerta: 'Na regulamentação é preciso um grande cuidado em garantir que as listas estejam actualizadas.'
Também em relação aos casos em litígio, a CNPD pede cuidado. 'Para isso há os tribunais. Só com a decisão do tribunal é que a pessoa deve ou não deve', afirma Luís Silveira. Quanto à possibilidade de as listas começarem a ser divulgadas em Julho, o presidente da CNPD diz que há tempo para todo o processo legal decorrer, apesar de um parecer da comissão 'geralmente demorar semanas' a ser feito.
Uma questão de vergonha
As dúvidas manifestadas pela CNPD são também preocupação dos fiscalistas ouvidos pelo PÚBLICO, que alertam para 'o risco muito real de o Fisco cometer erros', como diz Tiago Caiado Guerreiro. Este fiscalista até acha que a medida pode ser uma boa ideia. 'Nas coisas tradicionais, locais, quando se afixa nas lojas os nomes das pessoas que devem, essas pessoas pagam. Se [a lista] for publicada, tem um efeito positivo. Se tiver relações negociais com uma empresa e souber que essa empresa tem dívidas ao fisco, pensa duas vezes', afirma.
Quanto ao tipo de empresas que podem vir a aparecer na lista, Tiago Caiado Guerreiro diz que tanto pode haver 'empresas que pura e simplesmente por desorganização interna não têm os impostos em dia', como empresas que não conseguem pagar devido à situação económica ou porque elas próprias têm créditos de clientes que não lhes pagaram, como ainda as 'empresas que são cancros, [que servem para fazer] fraudes e operações fraudulentas em termos fiscais'.
Considerando que o Estado fica numa 'situação muito complicada' se a lista incluir uma empresa que não tem dívidas, porque aí 'está-se a difamar imagem de empresa e a prejudicá-la no mercado', o fiscalista não prevê nada de bom para quem for vitima de erros: 'Da maneira como a justiça funciona em Portugal, desejo-lhes muito boa sorte.'
Também António Domingues Azevedo, presidente da direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC) considera a ideia 'uma medida muito boa', porque [impõe] uma 'censura social a quem não cumpre as suas obrigações fiscais'. Mas acrescenta: 'Agora, o que [o fisco] deve é denunciar aqueles que de facto não cumprem. Não podem é pegar nessa lista e lançar aos quatro ventos. Ao ser anunciada, a lista tem de ser testada, fundamentada.'
Em caso de erro, Domingues Azevedo aconselha os contribuintes a 'reagir imediatamente' à notificação que será feita pelo fisco. Exige que o Estado tenha os mesmos níveis de rigor que pede aos contribuintes. E manifesta uma opinião crítica sobre o funcionamento do Estado: 'A nossa administração pública [está a adoptar um] princípio do 'paguem agora, reclamem depois.''
Bem mais confiante nos serviços tributários é o fiscalista Henrique Medina Carreira. 'Uma lista como esta deve ser elaborada com extremo rigor, mas isso com certeza que esta será', disse ao PÚBLICO. Já não acredita é na sua eficácia em termos de arrecadação de receita. '[Terá eficácia] para aqueles que se envergonham e eu sou suficientemente velho para não acreditar na vergonha', diz.
Medina Carreira crê que a divulgação da lista não terá eficácia 'em termos significativos', porque 'em Portugal não há uma condenação sincera da fraude'. E acrescenta: 'O povo português considera que o Estado é explorador e não dá o que devia'; por isso, perante uma fraude os portugueses, em vez de condenarem, perguntam 'como é que aquele gajo fez'. Conclui porém: 'Oxalá que me engane.'" (Eunice Lourenço e Pedro Ribeiro - Público, 03/03/2006)