Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"'Estou excitado com o futuro. Está a vir depressa e não quero ser atropelado por ele', diz Bono, no livro Bono Por Bono. De que fala o líder dos U2, um dos grupos que mais vende CD em todo o mundo e um dos mais descarregados na Internet? Da maneira fascinante como as novas tecnologias estão a modificar a nossa relação com a realidade. As transformações na indústria da música têm sido as mais comentadas, mas também estão a acontecer no cinema, rádio, TV e jornais. Por mais voltas que se dê essa é a realidade. Não há bilhete de volta. Como diz Bono no mesmo livro, não vale a pena fazer como o Rei Canute, 'que se sentava na cadeira em frente das ondas e ordenava às mares para não entrarem'. A indústria da música portou-se como o Rei Canute: não queria ver a realidade. Queria manter a todo o custo modelos negociais insustentáveis. Resultado? Foi ultrapassada pelos acontecimentos.
Na segunda-feira a Associação Fonográfica Portuguesa fez saber que iria avançar com queixas-crime contra cidadãos que façam descarregamentos através de programas de partilha de ficheiros. Em simultâneo lançou um sítio na Net com propósitos pedagógicos. Com estas medidas pretende-se contrariar a crise do mercado fonográfico. Mas alguém acredita que é assim que as coisas vão mudar? As inúmeras possibilidades da Internet terão que ser regulamentadas. Há uma grande discussão por fazer sobre os direitos autorais e será necessária imaginação para criar legislação que satisfaça, minimamente, todos os envolvidos. Ou seja: há incertezas, mas também um oceano de possibilidades por explorar. A única certeza é de que chegámos a um ponto de não retorno. Os consumidores não vão mudar. Terão que ser as editoras e demais agentes da indústria a imaginar outras formas de se posicionar no mercado, seduzindo os consumidores. É um modelo industrial que está em causa. A forma como a música é comprada e vendida mudou e, por arrasto, o tipo de música que é comprada e vendida. Enquanto a indústria olhava para a Internet e para as novas tecnologias como o inimigo a abater ao lado havia gente que percebia o potencial da ligação entre novas tecnologias e música. Pessoas que trabalhavam em redes móveis ou Jonathan Ive, o talento do design da Apple que, para além do iPod, tornou sedutor os descarregamentos com o iTunes, mostrando que há disponibilidade para pagar por música desde que seja divertido, simples e barato - porque a música é cara. Os próprios músicos e fãs de música passaram por cima das estratégias clássicas das editoras, percebendo que era possível retirar dividendos da partilha de ficheiros - foi assim que surgiram fenómenos como Clap Your Hands Say Yeah ou Arctic Monkeys. A transição para um novo modelo económico está a ser dolorosa para a indústria, mas não é com queixas-crime que a pirataria vai acabar, nem é esse o centro do problema. As ameaças da AFP podem ser legítimas à luz da lei, mas demonstram falta de visão estratégica. Parecem mais um ritual de resistência à mudança, quando é necessário pensar o futuro, para não se ser atropelado por ele." (Vítor Belanciano - Público, 19/03/2006)