Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"A página na Internet do Plano Tecnológico é imprópria para cidadãos com necessidades especiais, tal como a da Coordenação Nacional da Estratégia de Lisboa (CNEL), que tem entre os seus objectivos criar uma sociedade de informação plenamente inclusiva. O presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Humberto Santos, acha 'inacreditável'. 'O choque tecnológico, palavra da forma de actuação do Governo, devia ser com todos e para todos.'
Em 1999, foi aprovada, em Conselho de Ministros, uma resolução que obriga a Administração Pública a disponibilizar a informação na Internet sem qualquer espécie de barreiras para as pessoas com necessidades especiais. Não por mera solidariedade, mas em nome de um novo conceito de sociedade.
O acesso teria de ser possível 'sem recurso à visão, a movimentos precisos, acções simultâneas ou a dispositivos apontadores, designadamente ratos'. E a obtenção de informação e a respectiva pesquisa passíveis de serem 'efectuadas através de interfaces auditivos, visuais ou tácteis'.
Páginas feitas sob 'pressão'
As direcções-gerais e serviços equiparados, bem como os institutos públicos, nas suas diversas modalidades, tinham o prazo de um ano para se adaptarem à nova legislação. E os novos sites já deveriam nascer com esta acessibilidade. Mas, como diz Filipe Miguel Tavares, webmaster do acessibilidades.net, 'uma coisa é o que deve e tem de ser feito, outra a realidade'.
Entre os novos, destacam-se, pela negativa, o Plano Tecnológico e a CNEL. As falhas são múltiplas. Usam manipuladores de eventos exclusivos do rato, o que veda o acesso a pessoas com destreza reduzida ou incapacidade de ver o cursor no ecrã. E não legendam as imagens. Mas 'o mais crítico' é o facto de os menus, que dão acesso aos conteúdos, não terem texto alternativo, aponta Francisco Godinho, coordenador do Centro de Engenharia de Reabilitação em Tecnologias de Informação e Comunicação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - um dos promotores da petição que resultou na resolução do Conselho de Ministros.
Fernando Moreira da Silva, chefe do gabinete de Carlos Zorrinho, que coordena a Estratégia de Lisboa e o Plano Tecnológico, escuda-se na 'pressão'. A página da CNEL foi 'feita de forma muito rápida', o acesso às pessoas com necessidades especiais 'passou ao lado'. 'Tivemos três meses para fazer o Plano Nacional de Reformas e o colocar na Internet', precisa.
O mesmo responsável garante que as associações representativas das pessoas com deficientes não direccionaram reparos ao Governo por conta destas irregularidades. 'Os dois sítios vão ser fundidos', adianta. E a nova página electrónica, que deverá ficar pronta ainda este mês, já respeitará as regras da acessibilidade a pessoas com necessidades especiais.
Francisco Godinho nota uma evolução positiva. Lembra que, em 2000, durante a presidência portuguesa da União Europeia, a acessibilidade aos sítios da administração pública 'foi estendida aos outros Estados-membros'. E que 'o Governo tem pessoas vigilantes e actuantes, nomeadamente na UMIC [Unidade de Missão Inovação e Conhecimento]'.
'Encontramos hoje muitos mais sítios com esta preocupação, mas isto é um trabalho que demora muitos anos', refere Francisco Godinho. O engenheiro compara a acessibilidade na Internet à acessibilidade aos edifícios. 'Infelizmente, continua a acontecer' haver novos sítios alheios às regras.
'A preocupação ainda não está no seio dos responsáveis políticos', considera, por seu turno, Humberto Santos, para quem esta é uma questão de suma importância, uma vez que "está em causa um direito fundamental, que é o direito à informação". 'Nem todos temos igual acesso à informação e todos sabemos como isso é importante para a nossa cidadania.'
Não cumprir as regras não traz consequências. Mas dotar as páginas dos recursos necessários nem sequer fica mais caro, garante Filipe Miguel Tavares. 'Há motores de avaliação', o único aumento de custos pode ser gerado pela 'qualidade da equipa que faz o site'.
O que diz o diploma
A resolução do Conselho de Ministros número 97/99 estabelece que 'as formas de organização e apresentação da informação facultada na Internet pelas direcções-gerais e serviços equiparados, bem como pelos institutos públicos, nas suas diversas modalidades, devem ser escolhidas de forma a permitirem ou facilitarem o seu acesso pelos cidadãos com necessidades especiais'. Tal acessibilidade 'deverá abranger, no mínimo, a informação relevante para a compreensão dos conteúdos e para a sua pesquisa'. Os organismos públicos têm de assegurar que a leitura das suas páginas de Internet 'possa ser feita sem recurso à visão, a movimentos precisos, a acções simultâneas ou a dispositivos apontadores, designadamente ratos'. E que 'a obtenção de informação e respectiva pesquisa possam ser efectuadas através de interfaces auditivos, visuais ou tácteis'." (Ana Cristina Pereira - Público, 09/01/2006)