Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"A Portugal Telecom (PT) terá começado a processar as listagens dos telefonemas de Paulo Pedroso ainda antes de estes dados terem sido formalmente requeridos pelo Ministério Público (MP). A PT começou a elaborar a facturação detalhada dos telefones, a que foram anexadas as listagens referentes às mais altas figuras do Estado, um dia antes de receber o ofício emanado do inquérito ao caso Casa Pia.
A pesquisa terá decorrido entre os dias 13 e 19 de Maio de 2003, mas o oficio do MP, com o n.º 12.862, só foi remetido no dia 14. De acordo com dados detectados por técnicos de informática consultados pelo PÚBLICO, que analisaram os ficheiros informáticos do chamado 'envelope nove', as folhas de cálculo do Excel começaram a ser criadas ainda na véspera. O ofício da procuradora Paula Soares, do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), a solicitar elementos que abrangessem os telefonemas feitos por Pedroso antes do ano de 2001 só foi enviado para a Telecom no dia 14. Os ofícios anteriores, datados de meados de Abril e a que a PT havia feito referência no comunicado enviado a semana passada à imprensa, não dizem assim respeito a este período, incluindo listagens de outros números, como os de Carlos Cruz e Ferreira Diniz.
O primeiro ficheiro em formato Excel foi assim criado no dia 13 de Maio, pelas 8h14, e inclui o rol das chamadas do ex-porta-voz do PS realizadas a partir do dia 12 de Dezembro de 1999. Os restantes 14, apenas referentes a Paulo Pedroso, foram organizados até 16 de Maio. Os outros cinco ficheiros incluem mais de 200 utilizadores de telefones fixos e neles sobressaem figuras como o Presidente da República, o presidente da Assembleia da República ou o próprio procurador-geral da República, e começaram a ser feitos no dia 16.
O inventário destes dados sobre as altas individualidades do mundo da política e da justiça acabou no dia 19 de Maio, dois dias antes de Pedroso ser detido, sofrendo uma última alteração (condensação em zip) nos primeiros dias de Junho (respectivamente nos dias 5 e 6). Não está ainda esclarecido se esta alteração se ficou a dever a uma consulta ou à necessidade de comprimir os ficheiros mais pesados para serem gravados nas disquetes que não tinham capacidade para alojar arquivos, alguns dos quais excediam os três megabytes. Uma consulta aos autos atesta que as disquetes só foram entregues ao Ministério Público no dia 17 de Junho desse ano, tendo sido apensas ao processo no dia 26.
As datas que não coincidem
As datas que constam das listagens do 'envelope nove' são outro mistério por esclarecer. Os primeiros quinze ficheiros, que só dizem respeito a Paulo Pedroso, reportam-se a telefonemas entre finais de 1999 e Março de 2001. Depois, o segundo lote de cinco ficheiros, onde aparecem 'escondidos' os nomes dos restantes utilizadores de telefones do Estado, situam-se entre 8 de Dezembro de 2001 e 5 de Maio de 2002. Tratava-se então de um período conturbado na vida do PS, já que coincidiu com a demissão de Guterres e a chegada de Durão Barroso ao Governo.
Mas também por explicar está o facto de a PT ter então enviado, em resposta a um ofício que pedia dados anteriores a 2001, as listagens daquele período de tempo, imediatamente posterior. Contactada pelo PÚBLICO, fonte da PT recusou comentar os factos e remeteu para hoje a tomada de uma posição.
Confrontado com estas discrepâncias, João Pedroso, irmão e advogado do ex-porta-voz do PS, que foi detido menos de dez dias depois da listagem das chamadas ter sido iniciada, fala em ocultação de provas. 'O mais grave é que o Ministério Público, quando prendeu o meu irmão, já tinha elementos sobre o seu telefone. Sabiam portanto que nunca tinha havido qualquer contacto com os co-arguidos ou com as vítimas, mas ocultaram essa informação. Que, embora tenha sido analisada, não está documentada no processo'.
Entretanto, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) refere que 'aguardará as conclusões do inquérito'. Frisando a sua competência 'para controlar e fiscalizar o cumprimento da lei de protecção de dados pessoais', a CNPD lembra que 'a utilização de dados no âmbito de um processo-crime' está sob a alçada do respectivo juiz, pelo que 'apenas competirá à CNPD intervir se estiverem em causa somente ilícitos contra-ordenacionais'." (António Arnaldo Mesquita e Tânia Laranjo - Público, 19/01/2006)