Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"A Carris constituiu uma base de dados ilegal a partir dos números de telemóvel dos seus passageiros que recorreram ao serviço de mensagens SMS para se informarem dos horários dos autocarros.
Pouco conhecido e a funcionar mal até há poucos dias, o serviço existe há um ano e permite a quem se encontra em determinada paragem de autocarro saber, através de uma mensagem escrita de telemóvel, dali a quanto tempo passa a carreira pretendida. Num SMS que envia para o número 3599, o passageiro digita um C seguido do código da paragem em questão, que está inscrito na placa amarela, seguido do número da carreira. A resposta é recebida também por SMS e o serviço custa 30 cêntimos por mensagem.
Acontece que, em vez de apagar do seu sistema os números de telemóvel dos clientes depois de lhes enviar as respostas pretendidas, a Carris - ou melhor, o consórcio que está a operar o sistema para a transportadora - resolveu guardá-los para constituir uma base de dados sem para isso lhes pedir autorização, o que constitui uma infracção legal e é passível de multa, de acordo com a lei da protecção de dados pessoais.
Embora a empresa não detenha os nomes dos clientes, poderá obter muitos deles a partir dos números de telemóvel. Além deste procedimento abusivo, incorreu ainda noutra infracção: não notificou a Comissão Nacional de Protecção de Dados da sua intenção de constituir ficheiros dos telemóveis dos passageiros, como a isso a obriga a mesma lei.
Por tudo isto, a base de dados é ilegal, tendo agora a Carris a obrigação de contactar a referida comissão, caso deseje mantê-la, a fim de tentar regularizar a situação - o que implica, entre outras coisas, obter consentimento dos milhares de clientes que já recorreram ao serviço.
'Tratar esses dados sem solicitar autorização aos passageiros é abusivo, dado que o número de telemóvel é um dado pessoal que pode permitir identificar o seu utilizador', declara a porta-voz da comissão, Clara Guerra. Os responsáveis da Carris acham que não cometeram qualquer ilegalidade, mas mostram-se dispostos a reanalisar a questão do ponto de vista jurídico.
Transportadora enviou quatro mil SMS de marketing
Foi na passada semana que se soube que a Carris tinha constituído uma base de dados de forma ilegal, quando, para anunciar melhorias no sistema de informação sobre os horários por SMS, a transportadora enviou mensagens de telemóvel aos milhares de passageiros que já tinham utilizado o serviço.
O coordenador da unidade de controlo operacional e planeamento da rede da empresa, José Maia, defende-se dizendo que a mensagem de marketing que os clientes receberam dizia respeito a um serviço a que eles já tinham recorrido.
'Não usámos os números de telemóvel para vender Coca-Cola', alega. 'Provavelmente, os passageiros até têm vantagem em receber esta mensagem', admite Clara Guerra. 'Mas têm de o autorizar, porque podem não estar interessados.' Segundo José Maia, a Carris enviou as mensagens para cerca de quatro mil telemóveis. Diziam: 'O serviço SMS-Carris está mais rápido. Experimente já hoje!'.
Mas são muitos mais - 35 mil, segundo a transportadora - os números de telemóvel que constam da base de dados, uma vez que, ainda de acordo com o mesmo responsável, apenas foram contactados para esta acção informativa e promocional os clientes que a Carris sabe terem sido confrontados com determinadas deficiências do serviço.
Nos dois meses e meio em que o serviço funcionou de forma experimental e gratuita, até ao início de Março deste ano, a transportadora contabilizou 77 mil chamadas distribuídas pelas três operadoras de telemóvel." (Ana Henriques - Público, 26/12/2005)