Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"Definir formas de massificar a utilização da Internet e ajudar os países menos desenvolvidos através das tecnologias de informação e comunicação é o objectivo da Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação, organizada pela ONU, que decorre em Tunes até sexta-feira. Um dos temas mais controversos é a governação da Internet. Em causa está o papel dos governos na gestão da rede, que alguns países consideram dever ser mais interventivo, enquanto outros não vêem necessidade de grandes alterações.
Ainda antes de a cimeira começar, intensificou-se também o debate sobre a liberdade de expressão, desencadeado pela agressão a um jornalista do diário francês Libération (ver 'Uma cimeira da informação marcada pela repressão').
No que se refere à governação da Internet, está em causa o papel do ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), a entidade norte-americana que gere os domínio de topo globais na Internet, como os que terminam em .com ou .org. As competências do ICANN têm vindo a ser criticadas, por traduzirem um excessivo papel dos Estados Unidos na governação da Internet e pela ligação ao Departamento de Comércio norte-americano.
Washington tem-se mostrado peremptório. Não apoia a regulamentação da Internet por uma entidade intergovernamental, defendida por países como a China, 'ou outras propostas que possam limitar a liberdade de expressão.' E afirma que 'o Governo norte-americano não controla a Internet', tal como não o faz 'qualquer outro governo, organização ou pessoa'. Os EUA também não apoiam a proposta da União Europeia de alterar a actual situação com uma nova estrutura, por considerar que introduzirá 'um patamar de burocracia intergovernamental num meio que é dinâmico'.
A União Europeia tem defendido um modelo de cooperação, o que é bastante diferente do proposto por outros países. Está afastada da posição que prefere a substituição do ICANN por um outro organismo, composto pelos vários países e sob o auspício das Nações Unidas.
Na semana passada, Kofi Annan, secretário-geral da ONU, esclareceu a posição das Nações Unidas, num artigo que saiu no jornal The Washington Post e também no PÚBLICO (sábado). 'Uma ideia errada, que ultimamente se ouve com uma frequência alarmante, é que a ONU quer 'apropriar-se' da Internet, quer vigiá-la ou controlá-la de algum modo. Nada podia estar mais longe da verdade', disse.
Kofi Annan salientou que os EUA têm exercido as suas responsabilidades 'de uma maneira equitativa e íntegra', mas referiu também que 'é preciso prosseguir esforços no sentido de encontrar meios de internacionalizar mais os mecanismos de governação' da Internet.
Era este o debate que ontem marcava as reuniões prévias da cimeira, sem que tivesse sido possível chegar a qualquer posição de consenso.
Uma discussão em duas fases
Em Dezembro de 2001, a Assembleia Geral da ONU decidiu realizar uma cimeira sobre a sociedade da informação, para perceber em que medida é que esta poderia contribuir para o desenvolvimento, sobretudo dos países com maior atraso tecnológico. Foi decidido que essa cimeira teria uma primeira fase, em Genebra (Suíça), em Dezembro de 2003, e uma segunda, que hoje começa.
Em Genebra abordou-se, sobretudo, a forma como a sociedade da informação pode contribuir para melhorar as condições de vida nos países em vias de desenvolvimento. Para esta segunda fase foram agendadas diversas reuniões preparatórias e criados grupos de trabalho, como o Working Group on Internet Governance (WGIG). É esse grupo que se tem preocupado com a questão da governação da Internet e a resposta à pergunta 'quem manda na Internet?'
Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, integra a delegação portuguesa e irá apresentar hoje uma comunicação ao plenário, tal como o farão outros representantes de governos. Além disso, o ministro presidirá amanhã a um debate sobre a inclusão de todos os cidadãos e a acessibilidade às tecnologias de informação e comunicação, por parte de quem tem deficiência ou necessidades especiais." (Isabel Gorjão Santos - Público, 16/11/2005)