Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"O Google, que começou por ser um motor de busca da Internet e hoje é a empresa de que o mundo inteiro fala, anunciou que vai recomeçar a digitalizar os livros de cinco bibliotecas de língua inglesa, dedicando-se especialmente às obras que já não estão em circulação comercial. Com esta abordagem, espera esquivar-se às acusações de violação dos direitos de autor, que já lhe valeram o início de dois processos judiciais de associações de editores e de autores nos Estados Unidos.
O projecto Biblioteca Google foi anunciado em Dezembro de 2004, e passava pela digitalização dos livros de cinco grandes bibliotecas: das universidades de Stanford, Michigan, Oxford e Harvard e também da Biblioteca Pública de Nova Iorque. A ideia era passar por um scanner milhões de livros, que seriam colocados na Internet, como ficheiros de imagem, que poderiam ser pesquisados por palavra-chave por qualquer pessoa com acesso à Internet.
Seria possível ler algumas porções do texto, mas não propriamente ler um livro on-line. Essa possibilidade só seria admitida num outro projecto, o Editor Google, que disponibilizaria livros inteiros, sim, mas com autorização dos detentores dos direitos das obras.
Se a ideia foi em geral bem acolhida pelos utilizadores da Internet, como um passo para a criação de uma grande biblioteca global, começou a incomodar alguns. No fim do Verão, a Author"s Guild, uma sociedade de autores norte-americana, e a Associação de Editores Americana, iniciaram processos judiciais contra o Google num tribunal de Nova Iorque, por considerarem que o projecto configura uma violação maciça de direitos de autor.
Em Agosto, o Google anunciou que ia suspender a digitalização do conteúdo das bibliotecas, para dar tempo aos detentores de direitos de autor de manifestarem a vontade de as suas obras serem excluídas da digitalização.
Mas esta suspensão irritou ainda mais autores e editores. 'Os procedimentos do Google transferem a responsabilidade de evitar a violação dos direitos para o detentor desses direitos. Inverte todos os princípios das leis do direito de autor', comentou Patricia Schroeder, presidente da Associação de Editores.
As questões relativas aos direitos de autor são sempre complicadas. Mas o princípio no qual o Google se baseia é do chamado 'uso justo', uma doutrina legal que permite que gravemos um filme que passa na televisão, ou até que excertos de obras sejam reproduzidos num jornal, ou num trabalho da escola. Há especialistas em direitos de autor que consideram que o projecto se enquadra perfeitamente neste conceito de 'uso justo', como Jonathan Band, num artigo recentemente publicado na revista E-Commerce Law & Policy.
O que está em causa é uma questão filosófica, explica Band: 'Para além do uso justo, as empresas de motores de busca baseiam a sua actividade no conceito da licença implícita. Partem do princípio de que se alguém põe informação na Internet, deseja que seja encontrada pelos utilizadores, e os motores de busca são o meio mais eficaz para a encontrar.' Isso quer dizer que o software de busca cataloga e copia toda a informação que encontra na Internet, a não ser que se depare com um sinal de 'não entrar'.
É neste princípio que o Google se baseia, ao não querer pedir autorização a todos os editores e detentores de direitos de autor das obras contidas nas bibliotecas para copiar os livros.
Muita tinta e muitos bytes hão-de ainda correr por causa deste projecto, mas, por ora, o Google parece querer salientar as suas vantagens, anunciando que quer concentrar-se na digitalização de livros que já não estão em circulação. Mas mesmo este passo pode não ser bem aceite. 'Os livros que não estão disponíveis podem voltar a estar, se forem reimpressos', disse Allan Adler, advogado da Associação de Editores Americanos, citado pelo The Wall Street Journal." (Clara Barata - Público, 03/11/2005)