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"A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) nunca se pronunciou sobre o projecto de portaria do Ministério da Saúde que prevê que os pensionistas e as pessoas com rendimentos insuficientes autorizem o acesso aos seus dados fiscais para terem acesso a um regime de comparticipação de medicamentos especial, afirmou ontem ao PÚBLICO o seu presidente, Luís Silveira.
Este dado contraria as declarações do ministro da Saúde, Correia de Campos, que afirmou anteontem em Lisboa que aquele órgão tinha tido conhecimento do projecto de portaria que o Governo tem em preparação e disse estar para ser aprovado daqui a dias.
O porta-voz do Ministério da Saúde, Miguel Vieira, afirma que 'não houve intenção de dar uma informação incorrecta', mas que é convicção do governante que não há necessidade de parecer neste caso, porque existe uma declaração de consentimento do próprio doente. Mas, 'por causa das dúvidas', fez ontem chegar um pedido de parecer à CNPD, que será tido em consideração, acrescentou.
Com o objectivo de acabar com abusos nos regimes especiais de comparticipação de fármacos, Correia de Campos quer mudar os meios de prova dos rendimentos baixos. É assim que os reformados com pensão mínima, que têm direito a um regime especial de comparticipação de fármacos, terão de assinar uma declaração em que, sob compromisso de honra, afirmam não ter mais rendimentos.
A mesma declaração deverá ser assinada por pessoas com insuficiência económica que queiram continuar a usufruir da comparticipação de remédios a 100 por cento, a qual desceu recentemente para 95 por cento.
Das declarações constará a obrigatoriedade de autorizar o acesso aos dados fiscais do utente, para servir de 'contraprova' ao que é declarado. Quem não o autoriza 'não tem comparticipação acrescida', referiu o ministro.
Ora, segundo o presidente da CNPD, os dados sobre os rendimentos da pessoa não só estão a coberto do sigilo fiscal como são considerados 'sensíveis'. Exigem que haja 'um consentimento esclarecido e livre' e é a CNPD que tem de avaliar se este existe no caso em concreto.
Por outro lado, uma questão desta natureza implica, por norma, uma lei da Assembleia da República ou um decreto-lei do Governo, autorizado pelo Parlamento, refere Luís Silveira. O diploma em causa é uma portaria.
Luís Silveira refere que até ontem não tinha chegado à CNPD qualquer pedido de parecer (que não é vinculativo), o que é um requisito legal em matérias que envolvem acesso a dados pessoais.
Houve apenas um parecer do ano passado, pedido pelo anterior Governo a propósito da criação do novo cartão de saúde, que aflorava de forma vaga o possível acesso a dados fiscais. A CNPD advogava que tinha de ser definido 'de que forma é que os serviços de saúde podem ter acesso a estes dados'.". (Catarina Gomes - Público, 04/11/2005)