"O coração do bebé dentro da barriga de uma grávida com sida no Burundi pode ser ouvido por um médico a meio mundo de distância, por exemplo em França, graças às possibilidades da telemedicina. O estetoscópio pode ser ligado ao computador, e assim os médicos em África podem contactar e ter o apoio de colegas noutros países. Levar o acesso à Internet de alta velocidade através de satélite ao Burundi e Burkina Faso é o objectivo de um dos muitos projectos que pretendem usar as novas tecnologias para o desenvolvimento e estará a competir por um momento de atenção em Tunes.
'A qualidade de vida de populações vulneráveis não vai mudar da noite para o dia só por passarem a ter computadores. Mas se o médico que lhes presta assistência puder cuidar melhor deles graças a um computador, vemos que o que importa é o uso que se dá à máquina, não a sua aquisição', comentou à agência AP Elena Ursache, a gestora do Fundo de Solidariedade Digital, o projecto que pode fazer esse tipo de diferença para duas dezenas de hospitais em África.
Quando se fala na importância do acesso à Internet para as populações mais desfavorecidas, por vezes é difícil visualizar de que maneira se poderia fazer a diferença. Normalmente, não é através de grandes projectos que se pode agir, mas por meio de projectos localizados e muito bem dirigidos às necessidades de populações específicas.
Por exemplo, enviar computadores para escolas nem sempre funciona, pois é preciso treinar os professores e os alunos para aprenderem a trabalhar com eles, nem sempre há sites na sua língua nem planos para integrar o computador nos currículos, lembra Willie Currie, da Associação para a Comunicação Progressista, uma instituição sem fins lucrativos dos EUA.
Na União Europeia, 85 por cento dos estudantes com mais de 16 anos usam a Internet, diz um estudo do Eurostat revelado na semana passada. Mas as maiores diferenças no uso da Internet têm que ver com o nível de educação da pessoa: quanto mais elevado for, mais provável é que a use. Portugal é o país da União Europeia no qual estas diferenças são maiores. Mas como as disparidades da riqueza e da educação são muito grandes, não é de estranhar que apenas 14 por cento da população mundial esteja on-line (em África, apenas três por cento).
O que fazer para corrigir a fractura digital é o que deve estar na mente dos cerca de 12.000 delegados da cimeira, mas a verdade é que, embora proliferem projectos, ninguém sabe bem o que se deve fazer. Embora existam 'milhares de histórias bonitas', os presidentes e os ministros das finanças precisam de provas de que a tecnologia pode aumentar, em vez de desviar, o dinheiro disponível para comprar alimentos e medicamentos, comentou Bruno Lanvin, consultor do Banco Mundial.
O exemplo brasileiro
Mas há alguns exemplos que podem apontar mesmo novos caminhos. No Brasil, por exemplo. Desde 1995 que o Centro para a Democratização da Informática, uma organização não governamental sem fins lucrativos, fundada por Rodrigo Baggio, filho de um executivo da IBM, promove a inclusão social através das tecnologias de informação. Monta escolas de informática e cidadania, que já estão presentes em 30 cidades de 19 estados, em que jovens e adultos de baixas posses aprendem a usar programas como o Word ou o Excel, além de navegar na Internet. 'O objectivo é mobilizar os segmentos excluídos da sociedade para a transformação de sua realidade', diz a organização, no seu site, em http://www.cdi.org.br . Comunidades índias e moradores das favelas são alguns dos principais destinatários.
Outro factor importante para a onda que liga o desenvolvimento social e económico às novas tecnologias de informação, que tem caracterizado o Governo de Lula da Silva, é o software de acesso livre e gratuito, como o Linux. Estes programas informáticos podem ser usados sem pagar, ao contrário do Windows da Microsoft ou do MacOS, da Apple.
O Brasil, embora não tenha posto de lado o Windows, abraçou o Linux de alma e coração, tal como iniciou o fabrico de medicamentos contra a sida, sem pagar direitos de exploração às farmacêuticas. A ideia agora é usar o 'software livre' preferencialmente na administração pública.
'Para pagar uma licença de utilização do Office e do Windows, o Brasil, onde 22 milhões de pessoas passam fome, tem de exportar 60 sacas de feijão de soja', exemplificava à revista Wired de Novembro de 2004 Marcelo D'Elia Branco, coordenador do Programa Software Livre. Um dos objectivos da Presidência de Lula é garantir o acesso a computadores a 80 por cento dos brasileiros que não o têm." (Clara Barata - Público, 16/11/2005)