Blogue complementar ao Direito na Sociedade da Informação LEFIS
"Quase 14 anos decorridos sobre o anúncio de um novo sistema operativo desenvolvido sem intuitos comerciais - o Linux -, o movimento do 'software' de código-fonte aberto poderá disseminar-se por várias áreas sociais. Esta é a conclusão do estudo 'Wide Open - Open source methods and their future potential', da autoria de Geoff Mulgan e Tom Steinberg, com Omar Salem, divulgado neste mês pela Demos (www.demos.co.uk), um 'think tank' britânico.
Na definição da Demos, 'open source' é qualquer aplicação para computador distribuída sob uma licença que permita aos utilizadores modificarem ou partilharem o código original - ou código-fonte ('source code') - desse 'software'. Em geral, os programas vendidos pelas empresas de 'software' não permitem o acesso ao código-fonte, quanto mais a sua modificação ou partilha.
Foi a 25 de Agosto de 1991 que Linus Torvald, então estudante na universidade finlandesa de Helsínquia, deu a saber num 'newsgroup' da Internet que estava desde Abril a desenvolver 'um sistema operativo' - acrescentando tratar-se 'apenas de um 'hobby': não será grande nem profissional' - e que este seu empreendimento começava 'a estar pronto'.
Torvald referia-se ao Linux, o tal sistema operativo que, 11 anos depois, correria já em cerca de 25 por cento dos servidores a nível mundial e daria origem a uma enorme comunidade de programadores - que, na sua maioria, têm vindo a contribuir de forma gratuita para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento.
O Linux foi apenas um de vários projectos colaborativos de sucesso. Em Janeiro de 2001, Jimmy Wales lançou a 'Wikipedia', uma enciclopédia criada e validada a partir das contribuições de variados elementos. No final de 2004, e segundo a Demos, tem mais entradas do que a 'Enciclopédia Britânica' ou a 'Encarta' e mais de 1 milhão de artigos em mais de 100 línguas. Como no Linux, o trabalho é validado por terceiros mas voluntário.
Para a Demos, o Linux e a 'Wikipedia' demonstram o sucesso dos 'métodos de desenvolvimento voluntário' baseados no 'open source', com a contribuição de uma comunidade dispersa geograficamente e assente nas tecnologias da Internet - aquilo que é entendido por 'inteligência colectiva'.
O trabalho da Demos demonstra o potencial desta 'ideia' e analisa o seu impacto em variadas áreas sociais, nem sempre relacionadas com o 'software' ou as tecnologias da informação (TI). Das ciências da vida à farmacêutica, da política à economia, da justiça à universidade, das artes aos média, é todo um novo mundo em que o 'open source' é 'compreensivelmente atraente'.
Os autores concordam que uma das áreas com maior impacto potencial é a administração pública, com a divulgação dos métodos e das fontes para uma melhor governação. O mesmo sucede com os média, 'que estão a aprender a usar' os 'métodos abertos' que 'começam a transformar os modos em que os cidadãos se organizam'.
É que 'o 'open source' é quase o oposto do sistema tradicional de propriedade intelectual - com as patentes e os direitos de autor -, que procura manter o conhecimento restrito aos criadores e às pessoas que eles escolhem para vender [esse] conhecimento'. Desafiando o modelo tradicional, os métodos e as normas abertos propiciam o desenvolvimento inovador, e potenciam melhoramentos noutros campos sociais, defendem os autores, 'porque se baseiam em princípios e métodos de trabalho que podem ser combinados numa variedade de funcionalidades para produzir um melhor conhecimento, bens ou serviços, ou torná-los acessíveis em termos benéficos mais generalizados'.
Os autores detectaram uma dezena de características partilhadas pelos projectos de 'open source', como a transparência, uma selecção natural dos participantes apenas após o seu envolvimento nos projectos - interessando apenas o contributo pessoal para o projecto global -, o baixo custo na participação e a facilidade de empenho nas tarefas, uma estrutura legal e um mecanismo para a sua aplicação, liderança, normas comuns, a avaliação pelos pares ('peer review') e os circuitos benéficos de ampliação dos resultados ('feedback loops'), uma concepção partilhada dos objectivos, oportunidades partilhadas (em que mesmo os 'small players' podem ser úteis) e fortes incentivos não financeiros mas, muitas vezes, de reconhecimento dentro da comunidade (de programadores, pensadores, etc.)
O trabalho da Demos reconhece também, por outro lado, que existem alguns problemas com os projectos de 'open source'. O primeiro é a 'captura de minorias' - ou a emergência de grupos de pressão -, em que grupos organizados podem 'minar' a abertura ou forçar num certo sentido esses projectos, um fenómeno detectado na política ou em queixas nos média. Desvios e desacordos entre os colaboradores são igualmente apontados como razões para o exercício de um controlo centralizado nos projectos de 'open source'.
'Porque divulgam os seus segredos', este tipo de projectos 'não capta facilmente investimento financeiro' e, em consequência, não cria 'monopólios temporários' - e o decorrente financiamento - nem potencia a criação de produtos concorrentes, pois não há rivalidade quando os potenciais segredos comerciais são divulgados. Pelo contrário, a divulgação destas ideias, produtos ou serviços tem um 'lado menos criativo', em que mesmo as boas ideias podem ser eliminadas por um 'criticismo fortemente direccionado'.
No entanto, o potencial do 'open source' tem sido elogiado e apontado como via para áreas como a biotecnologia, o desenvolvimento farmacêutico, a política, o sindicalismo, os média ou a religião. Nesse sentido, a Demos exemplifica três novas variantes de projectos baseados no modelo de 'open source', em termos de conhecimento, trabalho de grupo e discussão pública."
in jornal
Público, suplemento
Computadores, de 30 de Maio de 2005.